Quando se fala sobre a formação de cidades como Gramado, a primeira imagem que vem à mente geralmente é a dos imigrantes europeus que povoaram a região. No entanto, pesquisas historiográficas recentes revelam que, muito antes da chegada desses colonizadores, o território já era habitado por povos indígenas, especialmente os Kaingangs. Reconhecendo a importância desse capítulo da história local, nasce o projeto “Muralismo e os Povos Originários: Do Esquecimento à Inclusão”. O projeto visa resgatar a memória indígena de Gramado, oferecendo aos povos originários um espaço artístico permanente, para que sua história, cultura e contribuições à formação da cidade sejam lembradas e celebradas.
Arte como Resgate Histórico
O responsável pelo projeto e artista plástico Alessandro Müller será o encarregado de criar e pintar os murais, buscando dar visibilidade e valor à presença indígena na região. Segundo Müller, o objetivo é tratar a temática de forma poética, utilizando a linguagem do muralismo e da arte urbana para reforçar a presença dos Kaingangs na história da cidade. “Como artista e produtor cultural, entendo a arte como um instrumento poderoso para preservar e resgatar nossa memória. Nos murais, vou incorporar elementos simbólicos da natureza, fauna e flora, que são profundamente respeitados pelos povos originários”, explica.
Müller observa que, embora existam diversas manifestações artísticas que celebram a contribuição dos imigrantes europeus para a cidade, a presença e a importância dos povos indígenas ainda são sub-representadas. “É fundamental que a voz dos povos originários também tenha espaço e reconhecimento, para que sua contribuição histórica seja igualmente valorizada”, complementa.
Parceria com a Aldeia Kaingang Kógūnh Mág
O projeto é realizado em parceria com a aldeia Kaingang Kógūnh Mág, localizada em Canela/RS. Na última terça-feira (5 de novembro), a equipe do projeto visitou a aldeia para aprender sobre o grafismo indígena com o Cacique Mauricio Salvador, cujos ensinamentos servirão de inspiração para os murais. Além disso, ao longo da realização do projeto, ocorrerão atividades culturais e educativas, como contação de histórias indígenas em escolas municipais de Gramado e apresentações de dança com integrantes da aldeia.
A troca de saberes com a aldeia indígena resultará na criação de três murais permanentes, que serão instalados na Vila Joaquina – Território Criativo, em Gramado. As obras de arte a céu aberto serão acessíveis a todos, com a inclusão de audiodescrição imagética detalhada via QR Code, garantindo que a memória e a contribuição indígena permaneçam acessíveis para as futuras gerações.
Um Legado de Arte e Memória
“Este projeto é um legado de arte e memória para a cidade, resgatando a importância da cultura indígena e sua contribuição para a construção de Gramado”, afirma Luana Michel, produtora do projeto. “Além disso, a arte urbana tem o poder de embelezar e transformar os espaços públicos, trazendo cor, movimento e expressão para a cidade, o que encanta tanto moradores quanto visitantes.”
Atividades Culturais para a Comunidade
O projeto vai além da criação dos murais. Diversas atividades culturais serão oferecidas gratuitamente à comunidade, como: contação de histórias indígenas em escolas, apresentação de dança tradicional, palestras sobre patrimônio cultural imaterial, oficinas de muralismo e grafite, curso para professores sobre mediação de patrimônio, além da exibição de um documentário que registra depoimentos de descendentes indígenas sobre sua memória na construção da cidade.
Essas atividades têm o intuito de proporcionar momentos de reflexão, aprendizado e apreciação artística para profissionais do setor cultural e para a comunidade em geral, promovendo o diálogo intercultural e a valorização dos saberes indígenas.
Reconhecimento e Apoio
O projeto foi selecionado entre mais de 200 iniciativas culturais em todo o Rio Grande do Sul e conquistou o 7º lugar no edital SEDAC/LPG nº 11/2023 – Pesquisa, Registro e Memória. A realização do projeto conta com recursos da Lei Complementar nº 195/2022, que apoia a preservação do patrimônio cultural imaterial.
Com o muralismo e a arte urbana como ferramentas principais, o projeto visa abordar e preservar a memória dos povos originários de Gramado, um tema muitas vezes marginalizado. Ao fazê-lo, a cidade ganha não só um legado artístico, mas também uma oportunidade de redescobrir e celebrar suas raízes mais profundas.
Foto: Yas Almeida
Ascom